sexta-feira, 8 de outubro de 2010

TEXTO DA SEMANA

AMBIGUIDADE CRIMINAL
Renato Nalini,
Desembargador do TJSP

A face mais trágica da delinquência brasileira é a ambiguidade entre infração e licitude. Visão anacrônica divide as pessoas entre criminosos e cidadãos honrados. O maniqueísmo longe está de responder aos desafios postos à sociedade. Ou, ao menos, à parte dela ainda não contaminada e interessada em sanear o lado podre. Não é preciso ser muito perspicaz para concluir que os labirintos da ilicitude também são percorridos por homens tidos como insuspeitos.
Os criminosos prestam serviços às elites, o que já fora comprovado por Klaus von Lampe, o pesquisador alemão que escreveu “Crime Organizado”, em 1999. Para ele, a violência desencadeada pelo crime é parte de um fenômeno que perpassa alianças, disputas e interesses entre grupos criminosos e também parcelas da elite social. A evidência maior está no consumo de drogas. Por que se tolera e aceita a permanência de traficantes no meio social?
A sociedade vai continuar durante quanto tempo a ignorar que não é apenas a juventude que está a ser cooptada. Agora, vicia-se a mais tenra infância. E quem tira proveito disso? No dia em que houver real interesse em se descobrir, não haverá surpresa ao se atingir o final da meada. É preciso desmistificar o quadro pueril em que a guerra se estabelece entre mocinhos e bandidos. Por isso é que a produção jurídico-sociológica e até econômica de feitio clássico se mostra insuficiente a abordar todas as faces desse problemático poliedro.
Além de von Lampe, é interessante debruçar-se sobre os estudos de Loïc Wacquant, autor dos livros “Os Condenados da Cidade” (Revan, 2001), “As prisões da miséria” (Jorge Zahar, 2001) e “As Duas Faces do Gueto” (Boitempo, 2008). Não provirá da área jurídica a solução para a delinquência difusa, poderosa e tentacular. O polvo do mal já envolveu as entranhas da Nação.
Urgente que os esclarecidos ouçam outras áreas e que todos somem esforços para uma luta que mal começou. Quem se interessar, além dos livros citados, leia também “Um Abraço para todos os amigos – Algumas considerações sobre o Tráfico de Drogas no Rio de Janeiro”, de Antonio Rafael Barbosa (Eduff, 1998). Será bastante esclarecedor de uma situação cuja gravidade poucos intuem.

NOTA DO BLOG: em semana de lançamento do filme "Tropa de Elite 2", cuja temática passa pelo objeto do brilhante texto de Nalini, importa repensarmos nossas práticas, a partir da compreensão de que a resposta ao triste quadro que se nos apresente "não provirá da área jurídica".

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