terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

TEXTO DA SEMANA


Meus amigos deputados

Tenho vários amigos deputados. Alguns muito próximos. Vão tomar posse estes dias. Eles sabem o que penso da urgência de se restaurar a dignidade da política. Não concordo com aqueles que se resignam a dizer que a política toda está contaminada. Papini, em seu “Diário”, diz: “A política dirige os homens, que não são matéria limpa: é tolo acusar o carvoeiro de não estar sempre com as mãos brancas”. Acredito que haja ainda pessoas sérias e bem intencionadas. Para estas reproduzo alguma coisa que Hilda Hilst inseriu em sua crônica “Hora dos Tamancos”, publicada em 29.3.1993.

Começa por afirmar: “As incongruências, os absurdos, a estupidez, a selvageria, o imponderável, isso tudo é o que nos rodeia, e ainda assim temos de sobreviver e continuar como se estivéssemos no melhor dos mundos. Roubam bilhões, trilhões, mas se algum pobre coitado roubar um pão, o cara sai correndo atrás e cadeia nele”. Parece concordar com Papini, ao invocar Ernest Becker, tão pessimista em relação à espécie humana:

Que devemos concluir de uma criação na qual a atitude rotineira consiste nos organismos despedaçarem uns aos outros com dentes de todos os tipos mordendo, triturando carne, talos de plantas, ossos entre os molares, empurrando, satisfeitos, a massa goela abaixo, avidamente, incorporando a essência desta em seu próprio organismo, e depois excretando com mau cheiro e gases os resíduos? A criação é um pesadelo espetacular que ocorre num planeta que vem sendo encharcado de sangue de todas as suas criaturas há centenas de milhões de anos”.

E se encharcando de água também, na loucura climática gerada pela insensatez de quem despreza o ambiente e liquida – inclemente e crescentemente – o verde que ainda resta. Confio que meus deputados comecem bem e iniciem pelo mais urgente: a defesa ecológica. Não quero que prevaleça, no Brasil, a triste constatação de Papini: “No começo eram os meios-homens. Nos tempos modernos desapareceram os gentis-homens – depois os homens de bem – depois os homens. Ficaram os subhomens que se fantasiam de super-homens”. Boa legislatura a todos e Deus nos proteja!

FONTE: José Renato Nalini é Desembargador da Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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