quarta-feira, 13 de abril de 2011

Jaguari registra segundo caso, no Estado do Rio Grande do Sul, de gestante substituta.


Em decisão proferida no dia 07 do corrente, o Poder Judiciário (Comarca de Jaguari) autorizou o registro civil de duas crianças em nome de marido e mulher que doaram sêmen e óvulo, mas que foram gestadas em útero de outra mulher.

No caso, as crianças nasceram de fecundação homóloga in vitro, seguida de transferência dos embriões a útero de terceira – no caso, irmã da autora -, dita hospedeira ou portadora, haja vista a riscos/impossibilidade da primeira em gestar. Na ausência de legislação que autorizasse o registro dos neonatos tendo os autores como pais, foi necessário recurso ao Poder Judiciário para a garantia dos direitos invocados pelo procurador dis interessados, Dr. Celso Edemilson Murari da Silva.

Após parecer ministerial opinando pelo acolhimento do pedido liminar, foi proferida decisão pelo Juiz de Direito, Dr. Gildo Meneghello Jr., autorizando o registro do nascimento das crianças em nome dos autores, reconhecendo-se a regularidade do procedimento biomédico de reprodução assistida mediante utilização da técnica da gestante substituta.

Trechos da decisão:

No mérito, o caso ora sub examen, face à ausência de regramento legislativo específico, carrega em si forte apelo ao mister de criar originariamente o “direito” – tarefa das mais difíceis e que apenas deve ser franqueada ao Magistrado quando se aponte, de forma clara e incontestável, a lacuna legis -, vez que, se a lei é omissa, não pode o Juiz abster-se de decidir sob pena de denegação de justiça. Demanda do Julgador, com invulgar exigência, que este aprecie a Ordem Jurídica como um todo, a fim de abastecer-se de recursos que lastreiem o decisumque não pode, jamais, pautar-se em viés autoritário, mas fundar-se em fontes de direito acessórias e subsidiárias -, bem como investigue, com dedicação, responsabilidade e com a humildade de quem conhece sua incipiência na matéria científica, o estatuto epistemológico da bioética com profundas e extensas complexidades de ordem filosófica, moral, biológica (genética), médica, sociológica, teológica, psicológica, mas que, diante do feito em tela - e dos muitos que, com certeza, chegarão à mesa de qualquer magistrado em futuro bem próximo – também é de natureza jurídica, por que reclama o posicionamento que, em tese, salvaguarde o melhor interesse daqueles que nascem a partir de tais procedimentos de fertilização e gestação, mas, por igual, do núcleo familiar que, por conveniência, necessidade e oportunidade próprias a cada caso, acabam por servir-se dos meios de reprodução assistida para alcançar a sonhada a paternidade. Tudo isso, camuflado sob um singelo objeto que é o “mero” pleito de registro civil de neonato.

A questão a ser solvida, ainda que o momento processual, fulcrado na cognição sumária, exija apenas uma análise não exauriente, cinge-se à plausibilidade da maternidade invocada na inicial tendo-se como contraponto o fato de que as crianças foram gestadas em útero diverso. É dizer: diante do procedimento de reprodução assistida adotado pelos envolvidos que acabou por criar dupla situação, doadora do material biológico e gestante substituta, quem efetivamente é a mãe biológica dos neonatos? A quem deve ser deferido o direito de registrar, como seu, o filho gerado?
(...)
Em verdade, a inovação da ciência acaba por colocar “na berlinda o princípio do mater semper certa est”, na feliz expressão de Sílvio de Salvo Venosa, rememorada na inicial pelo douto Procurador dos autores, fazendo com que o Juiz, ao tentar regular caos que tais, onde não há expressão legislativa atinente, busque nas cláusulas gerais e nos princípios basilares do Direito Privado e Público, o melhor embasamento aos contornos jurídicos que reclamam as partes, especialmente tendo-se como norte que a dignidade da pessoa humana é princípio constitucional basilar a ser irradiado a todo o sistema jurídico, não podendo, por evidente, ser desconsiderado em caos que tais, onde a tecnologia genética acaba por influir direta e irremediavelmente na humanidade, desconstruindo velhas certezas científicas e jurídicas, para remodelar novos conceitos, com implicações imediatas em vários setores do Direito, marcadamente o do Direito de Família.

In casu, tomando-se por base o que nos apresenta Silvio de Salvo Venosa e partindo do pressuposto lógico que ao Direito não cabe negar o avanço da Ciência, contrário senso, é dever do Sistema de Justiça - como bem exige o art. 4º da LICC – solver adequadamente, ao menos, as questões de ordem social e jurídica decorrentes das novas técnicas de reprodução assistida, tão timidamente reguladas no novel Código Civil, tendo-se por norte, o que dispõe a Resolução n.º 1.358/1992 – CFM, os princípios de bioética, bem como os postulados constitucionais da dignidade da pessoa humana e o princípio do resguardo do melhor interesse da criança e do adolescente, prevalente no microssistema da Infância e Juventude e de aplicação imediata ao caso apresentado, tenho como verificada a verossimilhança das alegações, sendo que a declaração médica da fl. 22 oferta prova inequívoca, ao menos para o efeito de acolhimento da pretensão liminarmente deduzida.
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A verdade biológica do caso em tela - e tal conclusão poderá ser aprofundada em perícia genética a ser realizada no curso do feito – , que não é diferente dos inúmeros casos de investigação de paternidade que rotineiramente tramitam nas varas de família, parece ser a de que, pela doação do material genético, são os autores os pais dos neonatos a despeito de se terem lançado mão da técnica do “útero substituto”, não obstante o que dispõe a regra geral albergada no art. 1.603 do Código Civil, o qual refere que a maternidade é presumida da DNV.

Não se pode perder de vista que a inovação biotecnológica acaba por ocasionar a plena desestruturação dos conceitos de maternidade/filiação, como já se asseverava quando nos referíamos a corrosão do princípio mater semper certa est. Leciona Chistine Keler de Lima Mendes, Especialista em Direito Civil e advogada militante no Estado de Alagoas, que o processo da maternidade de substituição “permite uma total dissociação das etapas do processo de procriar: conceber, gerar e ser mãe.” E, mais, a situação ora versada nos autos acaba por conduzir a curiosa situação de reversão no caminho dos julgados atuais, que conformam um novo conceito de família – que valoriza a maternidade afetiva e psicossocial (“desbiologização” da maternidade), fundando o vínculo familiar no elo do amor –, para reafirmar a maternidade biológica.
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De qualquer sorte, diante de tantos questionamentos de índole moral, ética e legal, tem o Estado-Juiz a sua frente uma certeza científicade que o embrião implantado na gestante substituta é composto por material genético dos autores - e uma necessidade jurídica e social, a de se resguardar o melhor interesse das crianças que estão a aguardar o efetivo assento de seu nascimentos, não podendo o magistrado postergar decisum para estágio mais avançado das indagações de ordem filosófica, bioética e legislativa, sob pena de denegar Justiça a quem mais dela precisa.

Sensível a tais imperativos, e à luz de tudo quanto já se registrou no corpo da presente decisão - abusando dos limites da cognição sumária -, tenho que a verdade biológica encontra, aqui, espelho com a verdade socioafetiva, vez que a herança genética dos pais encontrava-se nos embriões implantados no útero da gestante substituta e que esta última, como manifestado publicamente, manteve firme propósito de gestar em benefício de quem, pelos riscos envolvidos, já não mais o podia; restando manifesto que a relação de socioafetividade acabou se formando, ainda que em estágio muito precoce, entre autores e os neonatos. Ainda, há que se ressaltar que os rigores éticos do procedimento médico respeitaram os ditames da resolução de regência.

OBS.: Em face do direito à intimidade, muito embora seja o caso conhecido na comunidade local, optou-se em omitir os nomes dos envolvidos.

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